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domingo, 23 de junho de 2013

Quem diria?



Aquele que "dorme eternamente em berço esplêndido” 
é o mesmo “filho que não foge a luta”!


No Brasil vivemos dias revolucionários! Sim isso mesmo no Brasil! Considerados atípicos diante da percepção formulada da índole de sua população tida como pacífica ou conformista como alguns que pensam conhecer de nossa história. Somos como que envoltos com um véu ilusório de “o povo da paz”. Como se vivêssemos anestesiados em verdes prados, deitados eternamente nesse berço quimérico de delícias. Essa onda de protestos surgiu de uma manifestação aparentemente isolada, devido ao aumento de vinte centavos na passagem de ônibus na cidade de São Paulo, a maior metrópole do país e uma das maiores do mundo.
A partir desse protesto do povo paulista pode-se notar, e sentir, toda uma comoção subversiva apesar de em grande parte pacífica, mas com gestos agressivos de descontentamento jamais imaginados até um mês atrás que o povo brasileiro pudesse apresentar. Algo eclodiu no psiquismo brasileiro e sob o olhar da psicologia analítica poderemos fazer algumas considerações com relação a esses protestos.
Primeiramente poderemos pensar em “Enantiodromia” que de maneira simplificada significa uma mudança de polaridade, uma inversão de opostos, o que é de se esperar quando se tem um tipo de atitude unilateral, que no caso do Brasil pode ser expresso na dinâmica de um governo coercitivo, cerceador que age num tom assistencialista tosco e superficial, versus um povo supostamente conformista e alienado. Também podemos observar a evidência do número “dois” fator simbólico como catalisador desses protestos, os mal/bem falados 20 centavos (redução teosófica 2+0=2) sendo assim há expressa uma oposição. O número dois simboliza essa oposição dual representada pelo povo que se levanta contra o  poder público, tal relação encontra-se desgastada e o povo agora faz uma oposição diante dessa atitude opressiva do governo. No simbolismo numérico o dois surge do 1 que se opõe, contempla e  complementa no 2 e desse número que significa a oposição surge o terceiro que dá movimento, ação e dinâmica, para que novamente volte a ser uno no 4. Deste modo, há uma mudança de opostos, o povo toma atitude, se imbui de agressividade genuína para tentar uma “virada de mesa” que psicologicamente tem ligação com essa eclosão abrupta de protestos generalizados e inesperados.
Percebemos então isso como uma compensação inconsciente do psiquismo coletivo. É notório tal fato devido ao caráter heterogêneo de ideais e bandeiras durante os protestos. Movimentos considerados de direita e de esquerda, com as mais variadas idéias e ideais em prol de um mesmo sentimento: Mudança! O que caracteriza na psique individual e coletiva uma eclosão de um complexo inconsciente compensatório a condição da consciência coletiva atual. Todos unidos, pois essas emoções que pululam o psiquismo coletivo indicam que algo de muito errado (unilateralidade) ocorre e as coisas têm que mudar, irão mudar, é inevitável que mudem.
Há um clamor de uma juventude. Uma massa jovem com novas idéias, com novos valores. Anseiam por mudanças! Uma renovação, um anseio pueril e inconseqüente brota dessas manifestações, um frescor de primavera, um impulso ariano, violento, uma esperança irresistível. Simbolicamente morte do velho rei que segundo Von Franz nas antigas tradições tribais era algo praticado na literalidade do ato devido considerar-se um rei velho como sendo fraco e de idéias pouco adequadas. Sendo constrangedor, e perigoso, ter alguém fraco no comando, ou seja, matavam o rei para que fosse renovada a consciência da coletividade, representando como símbolo de renovação. Segundo a própria Von Franz relata, o próprio rei sabia que teria uma vida curta, ele sabia que seu vigor e idéias seriam passageiros Tal rito de renovação da consciência coletiva ainda é perpetuado nas eleições presidenciais, como ocorrem aqui no Brasil, onde se há um limite para mandatos e reeleições, simbolizando a transitoriedade e limitação humana como também a necessidade de atualização da consciência coletiva.
Outros temas dessas manifestações podem ser abordados com um olhar simbólico como,  a inexplicável reação violenta da polícia. Tendo em mãos a nossa mitologia cristã ocidental temos uma representação simbólica da truculência da polícia a mando do poder político, excelente para se fazer uma amplificação. Dizem os relatos bíblicos que Herodes, representando o velho rei em consonância com a política atual no Brasil, sai à caça dos recém nascidos, os jovens subversivos imbuídos de um novo ideal que ameaçam seu poder. O velho rei em desespero, já sabe seu destino. A morte, a mudança. O velho rei aqui citado é expresso em nossa realidade como a consciência velha, retrógada, antigos métodos disfuncionais que persistem em existir. Estamos no limiar de uma nova era. Em todos os lugares do mundo há uma mudança, um desejo de novas idéias, uma nova visão de homem e de mundo, novos paradigmas!
Mas a velha consciência existe e persiste. O velho rei ainda vive, apesar de ser representado pela figura de nossos políticos, ele vive em cada um de nós, ou seja, também projetamos nesse “campo fértil” nossas tendências obscuras. Nós somos participantes dessa consciência envelhecida e retrógada. Sendo assim que esse impulso “enantiodronômico” de mudança, da criança divina que pede passagem, do Puer que emerge do povo que ousa desafiar o Senex da política, que seja além de um fator propiciador de revolução social, que seja também vivida conscientemente no interior de cada brasileiro para que tenhamos sim uma revolução no micro e no macro, já que ambos são correlatos e coerentes entre si, afinal nós somos a sociedade e a política nos representa de maneira especular. Exija a mudança, sejamos a mudança!



“Você deve ser a própria mudança que deseja ver no mundo.”
Gandhi


2 comentários:

  1. Fantástico texto Luis Filipi adorei e gostei mais ainda de sua análise bater exatamente com a minha e de vários outros junguianos, acho que captamos o espírito do inconsciente coletivo. É essa atitude mesmo! Meus parabéns, um grande abraço e vamos seguir juntos rumo a mudança dentro de cada um de nós. Junto a isso que você disse todo terapeuta deve ir para a rua, porque segundo Sócrates um sábio só é sábio porque participa da concretude da vida não se reduzindo só a esfera intelectual. Seu texto é brilhante, digno de alguém que está vivendo tudo isso na carne! Grande abraço!

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    1. Fico enormemente feliz com a consideração. Abraços Renato!

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